AS ATUAIS ADVERSIDADES DO SISTEMA BRT RIO

Gustavo Martins
6 min readMar 30, 2021

Viagens em condições precárias, corrupção por parte de usuários e guardas fazendo vista grossa são apenas parte dos inúmeros problemas

O transporte BRT do Rio de Janeiro, inaugurado em 2012, veio com a promessa de melhorar a vida dos usuários de condução pública da cidade. Hoje em dia, sete anos após a sua implementação, o serviço é conhecido por seus problemas. Superlotação, calotes, más condições nos ônibus e estações, portas que não fecham ou abrem, ares-condicionados sem funcionamento, além da falta de educação por parte dos próprios frequentadores atingem os três corredores operantes do sistema: Transoeste, Transcarioca e Transolímpica. O futuro em relação às adversidades do eixo Transbrasil, que se encontra em construção, é incerto. Passageiros temem o mesmo destino.

Usuários e a própria administração do BRT reconhecem a piora. ‘’Antigamente isso aqui era bem melhor. Era menos cheio. Não tinha essa demora para passar ônibus. Além de tudo, era bem mais rápido. Pretendo usar a nova linha quando inaugurar, mas tenho medo de acontecer o mesmo com ela’’, afirma o carpinteiro Fábio de Souza, 54, passageiro da Transoeste. A assessoria do transporte culpa a Administração Pública pela redução da velocidade no eixo relatado: Os problemas na pavimentação da pista exclusiva, com o surgimento de grandes buracos, aumentaram o tempo do tráfego no trecho em 40% — a manutenção da pista exclusiva é responsabilidade da Secretaria Municipal de Conservação.

A questão dos calotes e a superlotação

Apesar de estar em vigor a Lei 44.837, conhecida como ‘’lei do calote’’, há uma ausência na fiscalização desses embarques ilegais, o que facilita ainda mais para os que realizam tal prática. De acordo com a administração do BRT, estima-se uma média de 70 mil calotes, causando um prejuízo no valor aproximado de R$6 milhões por mês. Para o engenheiro da PUC, Lucas Castro, as medidas atuais contra esse crime, como a checagem eletrônica e as barreiras nas portas, se mostram pouco eficientes visto o enorme fluxo de pessoas e a facilidade que se tem para burlar esses sistemas. Ele ressalta a necessidade de algo para complementar o que já tem sido feito, repensando as áreas de embarque e de acesso às estações.

Observando o intervalo entre os ônibus na estação Santa Luzia, do corredor Transcarioca, a equipe de reportagem notou uma demora de mais de 40 minutos para a passagem do veículo parador. O local costumava atender tanto transportes paradores quanto expressos, mas atualmente, por questões de depredação, somente o primeiro funciona — com exceção em direção ao Fundão, que continua atuando normalmente. ‘’É uma vergonha o trabalhador ter que ficar quase uma hora em pé esperando para voltar pra casa. Tratam a gente com total descaso’’, afirma a diarista Camila Aparecida, 41.

Questionada sobre os longos intervalos, a assessoria do serviço respondeu: ‘’Buracos e desníveis na calha provocaram o desgaste acentuado dos articulados, muitos deles em situação de destruição completa, exigindo a retirada de operação, com reflexos óbvios na eficiência e qualidade do serviço ofertado, como a superlotação’’.

Mesmo tendo sido firmado um acordo há três meses entre a prefeitura e o Consórcio BRT, a população ainda não começou a ver os reflexos das promessas. A negociação previa a recuperação de 90 ônibus que estavam fora de circulação e a aquisição de novos 150. Segundo a empresa, foram incorporados 26 veículos à frota desde então, mas os passageiros não observaram grandes mudanças.

O abandono de estações

A estação Otaviano, em Madureira, encontra-se fechada há mais de um ano. No eixo da Avenida Cesário de Melo, 22 estações encontram-se desativadas. ‘’Essas estações deixaram de ser operadas em maio de 2018, por causa do vandalismo’’, afirma a equipe de comunicação do BRT. Uma reportagem feita em maio pelo jornal O Globo constatou que a Otaviano se tornou um ponto para usuários de drogas e moradores em situação de rua. Moradores afirmavam que tinham medo de passar pelo local durante a noite por causa da escuridão. A prestadora do serviço afirma que prevê um estudo técnico operacional para verificar a possibilidade de reabertura desses locais.

Estações em funcionamento apresentam falta de manutenção, como é o exemplo de Vaz Lobo, Vila Queiroz e Santa Luzia. Portas caindo ou ausentes e a falta de iluminação fazem parte da rotina desses lugares.

O descaso com os passageiros e veículos

‘’Já passei por muitos problemas no BRT. Teve vez que passei mal e desmaiei por causa do calor que estava dentro do ônibus. Estava lotado e o ar-condicionado nem sequer funcionava’’, conta estudante Victoria Campos, 17. Ela ainda conta que já passou por uma situação em que foi retirada do veículo por policiais. ‘’Falta segurança adequada no transporte. A polícia escolhe quem acham que é suspeito e manda descer, sem mais nem menos. E sabe como é, escolhem quem é negro. Um dia eu fui escolhida. Me fizeram descer. Além de passar essa vergonha, ainda me atrasei à toa para o que eu tinha que fazer’’, relata a adolescente.

Além disso, a situação dos veículos se mostra precária. No início deste mês, um articulado perdeu a roda próximo à estação Cardoso de Moraes, durante o seu itinerário, e outro pegou fogo na Barra da Tijuca. Usuários do transporte esperam que medidas sejam tomadas para evitar esse tipo de problema. ‘’Já viajamos que nem enlatados, agora ainda acontecem esses problemas em tão pouco tempo. Espero que pelo menos garantam que a gente não se machuque feio ou que o pior aconteça enquanto estamos indo ou vindo do trabalho’’, diz o passageiro Carlos de Almeida, 38.

O desrespeito aos carros femininos

Durante as viagens, a equipe de reportagem também notou a presença de homens nos carros femininos em horários de exclusividade. A Lei Municipal 6.274/2017 está em vigor desde maio deste ano. Ela determina que o carro traseiro seja destinado a mulheres e crianças de até 12 anos durante horários de pico, das 5h às 7h e das 17h às 20h. Apesar disso, essa lei não é respeitada. Para a estudante Marcela Carvalho, 23, as grandes adversidades são consequência do excesso de pessoas nos veículos. ‘’Sou prensada, às vezes me machuco e sinto dores por nem ao menos poder mudar de posição. O pior é o assédio. Os carros femininos não adiantam de nada, porque os homens entram mesmo assim. Talvez façam isso por conta da lotação e demora no intervalo entre os veículos, mas mesmo assim não justifica’’, conta.

Perguntada sobre a questão, a prestadora de serviços respondeu que a fiscalização é por conta da Guarda Municipal. ‘’Ressaltamos ainda que as ações dos controladores de estação do Consórcio BRT são de caráter de orientação aos passageiros para as operações do sistema. Ou seja, eles não têm poder de polícia. Coibir transgressões, delitos e crimes de qualquer natureza é atribuição e competência do poder público’’, diz a assessoria. A Guarda Municipal afirma que há guardas presentes nas estações que costumam haver mais calotes e que fazem o possível para contornar o problema dos não pagantes e do carro feminino. Passageiros relatam que o poder público não resolve as questões. ‘É uma grande mentira falarem que fiscalizam. As estações e os BRTs são uma bagunça. Os guardas fazem vista grossa para os problemas. Não resolvem nada’’, fala a comerciante Joana da Silva, de 29 anos.

REFERÊNCIAS

ÁVILLA, E. Acordo põe fim à intervenção no BRT e prevê R$ 24 milhões por ano em segurança e reforma de estações. G1 Globo, 29 de jul. de 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/blog/edimilson-avila/post/2019/07/29/acordo-poe-fim-a-intervencao-no-brt-e-preve-r-24-milhoes-por-ano-em-seguranca-e-reforma-de-estacoes.ghtml> Acesso: 20 de nov. de 2019.

RIBEIRO, G. Estação do BRT em Madureira vira ponto de consumo de drogas. O Globo, 16 de mai. de 2019. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/rio/estacao-do-brt-em-madureira-vira-ponto-de-consumo-de-drogas-23669522>. Acesso: 20 de nov. de 2019.

BOM DIA RIO. Ônibus do BRT pega fogo na Barra da Tijuca, 7 de nov. de 2019. Disponível em:<https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/11/07/onibus-do-brt-pega-fogo-na-barra-da-tijuca.ghtml> Acesso: 20 de nov. de 2019.

O DIA. Vídeo: Roda de articulado do BRT solta de coletivo, 5 de nov. de 2019. Disponível em: <https://odia.ig.com.br/rio-de-janeiro/2019/11/5821718-video--roda-de-articulado-do-brt-solta-de-coletivo.html>. Acesso: 20 de nov. de 2019.

Obs: Matéria escrita em novembro de 2019

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Gustavo Martins

Estudante de jornalismo em busca de experiências na área de Comunicação.